Elo - Márcia Carrano

Caio no ano 2500 e sinto o quanto pode ser abismal a solidão. O desconhecido me engole, me sufoca, me apavora. Nenhum ser se assemelha a mim. Sou sobrevivente de uma espécie que já se extinguiu.

Olhos estranhos e arregalados me fitam também em pânico. Tento me comunicar e não encontro resposta. Tentam se comunicar e não tenho resposta. A solidão desce vertiginosa e mortal pelas entranhas que estremecem de puro terror. Fujo dos seres que me temem e que igualmente me petrificam de pavor.

Busco nos objetos um istmo que me restabeleça a sensação de familiar, o conforto do conhecido. Também nas coisas nada encontro que a elas me liguem. O abismo continua me engolindo. O pânico é maior do que tudo: inimaginável. Máquinas estranhas falam comigo — e eu... falar com máquinas! As ruas rolam sob meus pés. Não sei andar sobre elas. Provoco gargalhadas irônicas. Elas vêm de todos os lados: dos seres, das máquinas, das ruas, das janelas. Tudo gargalhando... e eu...

... fujo escorregando e bato num monte de ferro velho. Cemitério de máquinas.

De repente, algo conhecido está perto de mim: um computador. Aflita, me jogo a seus fios — mas eles não me abraçam: estão mortos.

O computador é fóssil! Eu sou fóssil.

Eu...

Mas há um livro sob meus pés. O fantasma da máquina me convida a abri-lo. "Somente mãos e teclas podem folhear as páginas", me diz. Vejo novamente uma porção de tintas. E me encanto.

Porque sempre haverá uma porção de tintas...

Márcia Carrano
Recomendar
 
 
 
 
 
 
© Márcia Carrano, 2015. website by Asther ProdutoraWeb