Há tempos querendo dedetizar o apartamento. Orçamentos e mais orçamentos. Perguntas e mais perguntas. Mas é mesmo necessário tirar todas as roupas dos guarda-roupas? Todos os livros da estantes? Ai meu Deus! assim só nas férias — e olhe lá. E isto também? Tirar todas as panelas e toda a louça dos armários? Ufa! E esse preço, tá muito caro. Não dá pra fazer por menos? Não? Hum!

O tempo passando e a dedetização sendo adiada, mas sempre provocando aquele prurido persistente num canto qualquer da memória. A cada ano, nova pesquisa de preços, as mesmas perguntas e... novo adiamento. Até que, numa manhã bem cedo:

— Márcia, tem um moço lá na portaria dizendo se quer fazer dedetização. Vai fazer do condomínio. Trinta reais.

— Pergunte a ele... — tentei dizer.

— Já tá subindo — interrompeu Penha, a empregada.

Campainha. Porta aberta e o dedetizador, que se apresenta como Ubirajara, vai respondendo sem me dar tempo de perguntar:

— É rapidinho. Não precisa tirar nada dos armários.

Surpresa, procuro confirmação.

— Nada mesmo — ele responde, já começando a mostrar e, ao mesmo tempo, executar o serviço. —Tá vendo, é assim, rapidinho. E seis meses de garantia: qualquer bicho vivo que aparecer, é só me chamar pelo telefone 87 45 86 79 33.

E o homem, com o aparelho amarelão, ampliado por um cano comprido, continua pulverizando os rodapés de todo o apartamento. Atendendo a pedido meu, pulveriza também parapeitos de janelas e até partes externas abaixo dessas. Conversa pouco, age muito e obedece sempre a qualquer ordem:

— Dava pra pulverizar dentro das estantes? — pergunto.

— Agora mesmo — responde, enquanto já vai espirrando o líquido em cima dos livros.

Temerosa mas feliz, pergunto:

— Não tem perigo de estragar os livros, moço?

— De jeito nenhum.

Em menos de quinze minutos (aproximadamente dois reais por minuto), está tudo pronto. Eu, satisfeitíssima com o serviço, vou estendendo a mão e entregando-lhe o dinheiro. Mas o dedetizador faz questão de que Penha anote o telefone para o caso de aparecer "qualquer bicho vivo" .

É quando me lembro de perguntar:

— O senhor não vai deixar um cartãozinho de garantia, como costumam fazer?

— É só telefonar.

Ainda elogio:

— Gente eficiente é outra coisa. Papel pra quê?

Ubirajara se vai.

À noite aparece um bichinho aqui, outro ali, mais outro lá, e minha ingenuidade ainda acha que deve ser efeito especial: dedetizou, as formiguinhas ficaram sem lugar, a baratona também (e realmente ficou depois da violenta esmagada com o sapato)... tudo isso devia fazer parte do processo eficiente da dedetização.

Mas, na outra noite, os bichinhos continuavam surgindo. Aí, idiota, comecei a ter receio de matá-los. Afinal, o homem dissera: "Se aparecer qualquer bicho vivo, me chame". Passei a prever complicações: o tal de Ubirajara ia dizer que o bicho estava morto e.

Pedi à empregada que ligasse para o homem. Primeiras tentativas: telefone sempre ocupado. Depois de muito tempo, uma moça atendeu e disse que Ubirajara não estava e que ela não podia dizer mais nada.

No outro dia, Penha insistiu. Atendeu uma mulher. Confidenciou à minha ajudante que o tal homem aparecia por lá, um estacionamento, vez ou outra; que ninguém sabia o endereço dele; que ele "dizia" fazer dedetização. Completou: "Só não aguento mais a quantidade de gente procurando por ele. O telefone não para de tocar nem um minuto".

Penha ficou furiosa ("Que homem sem-vergonha! Leva o dinheiro dos outros assim fácil, fácil. A gente trabalhando duro pra ganhar um pouquinho e o cara na moleza!") e queria até ir atrás do Ubirajara. Acertar contas, coisa e tal. Ponho ponto final no assunto. Não sei se para fugir do fato de ter sido “embrulhada”, fico ponderando comigo mesma que paguei trinta reais, mas tive uma aula de mestre na arte de lidar com o público: falar pouco, agir rápido, cobrar um pouco menos do que os outros, obedecer sempre, não causar muito transtorno, mostrar eficiência mesmo sem ter. E — o mais importante! — para ”executar” um serviço, gastar muitíssimo menos tempo que qualquer outro profissional.

Porém, tenho de confessar a vocês, gastei dinheiro à toa, porque jamais conseguirei colocar em prática a “lição” de Ubirajara. E tem mais! Uma pedrinha está incomodando os pensamentos: a velocidade atropelou a qualidade, e todos estamos contribuindo, de uma forma ou de outra, para sucessivos atropelamentos da qualidade? De vida, de sentimento, de emoção, de........................, de..............................., de........................., de.............................., de............................, de..........................., de................................., de.........................., de......................... (você vá fazendo outras lacunas e preenchendo-as; "rapidinho" termina — será?).

Márcia Carrano

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