Palavras no vento, de Márcia Carrano
Professora Doutora Rosa Gens

Essência de poesia. Com esse centro o leitor irá se deparar ao iniciar a leitura da obra Vento leve, de Márcia Carrano. Pois a autora articula a linguagem com sombras, nuances e jeitos que ultrapassam a superfície e atingem espaços inusitados do pensar. As palavras flutuam, movem-se, redemoinham e nunca se aquietam. São palavras que pairam, seduzem, inquietam. Oferecem o sumo do poético, através de uma dicção precisa, delineada já no poema de abertura (“tudo é letra e livro/em minha alma//até este caco de vida/no chão da sala.”)

No desvendar das páginas, o leitor passa os olhos e a mente se detém nos instantes poéticos, breves na apresentação e duradouros pela reflexão. A brevidade aponta para uma condensação de sentido, em que estão presentes notas do cotidiano, apontamentos de vida, em dias que passam limpos, e são ajeitados; em que a morte passa noturna; em que aparecem o IPTU e moedas. Imagens semeadas no vento, que se formam com o deslocamento do concreto e o abstrato, o cotidiano e o além de. Trata-se de concretudes que encaminham a outros sentidos, habilmente potencializados.

A proposta da autora é direta; no entanto, deixa entrever outras paragens, e nos sentimos impulsionados pelo vento que nos leva a diferentes indagações. Os temas são muitos, reunidos na vida e pelos truques de palavras. No entanto, há motivos recorrentes, que se transformam em eixo do poetar. Como exemplo, a busca de um saber, que pode ser apontada em vários dos textos. Outro dos temas é a articulação da escrita sobre a escrita, deixando pulsar a consciência, no discurso lúdico e lógico sobre a poesia. E a transformação do cotidiano em matéria poética, como nos versos “como pego no ar/ o salto alto da emoção/ disfarçada em rotina banal?”(p. 8) que condensam o programa estético da autora no que diz respeito ao corte de uma sentimentalização piegas.

A forma como o livro é apresentado surpreende e encanta. A autora propõe uma leitura desautomatizada, que não caminhe do início ao fim no voltar das páginas. Além dessa leitura individualizada, cada um dos poemas pode ser destacado pelo leitor e enviado a quem ele desejar. Trata-se de um leitor que tem a possibilidade de escolher, que se torna, ele também, doador de sentido, e que, provavelmente, irá sobrepor ao poema, cartão endereçado, a sua própria escrita. Pela intenção da autora, os poemas ficarão com o leitor, na memória, ausentes do livro, mas presentes em outras paisagens de doação de sentido.

Porque a poesia é tudo e está em tudo. Como a autora aponta, em sua dedicatória, à maneira de Adélia Prado, pode estar escondida nos recortes do cotidiano que não sabemos (ou podemos) por vezes valorizar. E que têm seu pouso neste Vento leve, de Márcia Carrano, poesia que não se dissolve ao vento, que se torna ventania dos sentidos, vendaval de significados.

Professora Doutora Rosa Gens
Departamento de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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