Ela ruminava o ciúme quando ele entrou. Não queria fazer cenas. O coração grunhia e ameaçava pular fora. Mas havia de se dominar. Não ia falar nada. Nada. Nada.
— Oi, meu bem! acordada?
— É.
— Está quieta. O que houve?
— Nada.
— Aborrecida comigo?
— Não.
— Ah! sei que está...
— Não.
— Vem cá, vem. Diga pra mim o que houve.
— Nada, ora!
— Sei que houve. Que foi?
— Quantas horas? — perguntou ela.
— Quatro da manhã. Por quê?
— Nada.
Ela tentou afastar-se, mas ele não deixou. Chamou-a de volta com um sorriso.
— Vem cá, vem.
— Não.
— Não por quê?
— Porque não.
Ele se aprumou e, tomando um ar entre sério e tranquilo, disse:
— Vamos conversar, sim? Não somos crianças... o que houve? por que está assim?
— Assim como?
— Assim triste, aborrecida.
Ela se ajeitou na cama, fez um muxoxo, tentou controlar-se, mas uma onda gigantesca lhe veio subindo garganta adentro. Teve a sensação de que explodiria se não falasse.
Mas não falou. Ele:
— Ora, meu bem! — por que isso?
Ela novamente faz esforço enorme para controlar-se. Quer romper o pacto, o maldito pacto que inferniza a vida de casada. Controlar-se... controlar-se... controle de qualidade... massa de tomate elefante... lago bonito... ah! que lago bonito... vou me controlar... vou... Mas escapole um:
— Seu...
Ele, muito calmo, aproveita logo:
— Seu o quê?! diga, diga...
Ela se contém. Ele insiste:
— Vamos conversar, vamos.
Sente-se a fera. A má. A madrasta. A malvada. A louca. Tem vontade de sumir. De fugir. De morrer. Não quer fazer a pergunta que a deixará mais louca ainda. Ah! desta vez ele não me pega...
O marido repete:
— Vamos conversar, vamos. O que foi?
— Nada...
— Foi sim, fala.
— Foi nada.
— Fala sim, amor... seu querido tá aqui... diga pra ele, benzinho, diga o que foi...
Louca. Ela pensa ser mesmo uma louca. Por que não confiar nele? E solta a pergunta:
— Onde você esteve até essa hora... quatro da manhã?
— Ah! meu bem, que pergunta mais tola. Não vejo por que responder.
Ela engole em seco. Tenta controlar-se. Tenta. Tenta. Engole em seco.Tenta controlar-se. Tenta. Tenta. Ela tenta e tenta e.
CARRANO, Márcia. Pacto. In ____. Olhar de espanto. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013, p. 21-25.